O Pai Intérprete
Autor: João Paulo Duarte
Revisão: Nani Peres
Edição: Meg Batalha
Na nossa profissão de intérprete, temos um procedimento conhecido como handover, que pode ser traduzido livremente como entrega, transferência, consignação, passagem… E justo pela tradução em português ser um tanto desengonçada, como o leitor muito bem pode perceber, é que utilizamos, em nosso meio, o termo em inglês. Este, por sua vez, suscita, pela sua etimologia, outras imagens e significantes que me fizeram refletir… sobre o termo hand (mão, em inglês) e over (preposição que traz a ideia de sobreposição, substituição), que juntos formam essa linda, totalmente nova e justaposta palavra.
A imagem de uma mão sobre outra, juntas, justapostas, com a mão de quem está chegando sobre a mão de quem já está no caminho, me remete a nossa prática profissional de intérpretes, dentro das nossas cabines físicas ou virtuais, onde nos encontramos com aqueles que chegaram antes de nós. Aqueles que dão o pontapé inicial na hora que o jogo inicia, pela experiência e pelo right of way da boa etiqueta e das boas práticas, protegendo, assim, aquele que está chegando e que tem menos experiência, gentilmente lhe fazendo a passagem, o handover, quando aquele outro já parece estar ambientado e preparado. De forma geral, esta descrição se alinha com o começo de vida profissional de todos e cada um de nós. Tivemos, de alguma maneira, alguém que nos deu a vida dentro da cabine. Em sentido figurado, tivemos, pois, um pai na nossa caminhada profissional.
Assim foi na nossa existência biológica. Tivemos um pai. Este, pode ter sido ou não, aquele que fez o papel de nos educar, supervisionar e proteger. Tal e qual o nosso pai na cabine, dando dicas, retornos, repreendendo quando necessário, tivemos essa figura paterna na vida. Ainda que não tenha sido a mesma figura que nos forneceu o material genético, tivemos e buscamos essa referência.
Este que vos escreve, por exemplo, não teve aquilo se pode chamar de um lar padrão, com uma figura masculina provedora e protetora e uma figura feminina acolhedora e subserviente. Nem teve a figura paterna biológica presente, pelo que buscou em muitas figuras masculinas ao longo da vida a substituição daquela falta.
Esses tais padrões importam muito pouco na prática. São bonitos de ver, para quem gosta de romantismo clássico, nas novelas e filmes desse nicho. Na vida, quanto mais nos aproximamos das famílias, vemos que certos padrões que nos parecem ideias não são tão bonitos e perfeitos quanto parecem. E o objetivo aqui não é criticar, mas normalizar. A vida é a vida como ela é. E na vida como ela é, os pais não são perfeitos. Nem são sempre os pais biológicos. Nem são sempre mais velhos cronologicamente. Sequer são sempre do sexo masculino.
Os pais que estão a segurar nossas mãos, literal e figurativamente, presentes, seja em que hora for, seja qual for a situação, estes têm a sagrada e antiga tarefa de receberem os que chegam e de lhes conduzirem e supervisionarem durante a vida, de lhes proverem o necessário para a subsistência e proteção, e um dia… um dia, seguindo a ordem do destino, todos faremos um handover sem repasse. O evento sempre chega ao fim. E assimhomenageio os que já se foram para o corpus infinito.
Para concluir, nada melhor do que o clichê: pai é quem cria.
Feliz dia dos pais!