Jogos Paralímpicos de Tóquio 2020
Comunicação Autêntica e a Arte da Imperfeição
Autora: Jacqueline Moreno
Revisora: Nani Peres
Durante treze dias (de 24 de agosto a 5 de setembro), tivemos a chance de acompanhar os Jogos Paralímpicos de Tóquio 2020 com 22 modalidades e a presença de 4.400 atletas, sendo 260 brasileiros e 22 medalhistas campeões. Todos deram o seu melhor para subir ao pódio com a bandeira, o buquê de flores e a medalha, seja ela de ouro, de prata ou de bronze. Mas o que ficou à vista mesmo foi a coragem de lutar, levando em conta todas as dificuldades e deficiências do caminho.
Quatro dias antes da abertura do evento mundial, foi criado o movimento #WeThe15 (Somos 15) com o propósito de revelar os 15% da população mundial que têm algum tipo de deficiência, o que representa 1. 2 bilhão de pessoas. A diversidade e a inclusão ganharam mais uma iniciativa a favor dos direitos humanos, ao lado de pautas cidadãs com a da etnia, questões de gênero e orientação sexual. A iniciativa está sendo bem divulgada e promete crescer depois dos jogos.
Nos treze dias de competição, tivemos também a oportunidade de nos atentarmos para a resiliência dos atletas que fizeram da vulnerabilidade, o seu viver. As categorias do grau de deficiência (amputados – AM, deficientes visuais – VI, paralisia cerebral – PC, deficiência intelectual – IN, Les autres – deficiências não abrangidas pelas outras categorias – LA) foram colocadas a toda a prova e nós os aplaudimos por terem superado a arte da sua mais exposta imperfeição.
Nossas Autênticas Vulnerabilidades
Que tal aproveitarmos o “de hoje em diante” para nos aprofundarmos nas nossas próprias vulnerabilidades e imperfeições, principalmente nos nossos relacionamentos? Em tempos de crescentes incertezas, desinformações, polarizações e distorções da realidade, corremos sérios riscos de romper vínculos até então sólidos e tomar decisões emocionalmente erradas por conta da nossa deficiência de compreender a nós mesmos e consequentemente, o outro.
A comunicação autêntica pode nos ajudar a desatar os nós e estabelecer novas possibilidades de testar o quão dispostos estamos para entender mais as nossas próprias necessidades, frustrações, aspirações e inspirações. Somos seres gregários e se quisermos deixar a coesão como legado para as próximas gerações, teremos que evoluir a forma pela qual nos comunicamos.
Ao desenvolver as bases da Comunicação Não Violenta (CNV) na década de 60, o psicólogo Marshall Rosenberg ganhou relevância ao falar sobre a importância da autoconsciência e principalmente do uso correto do artefato que aprimora a nossa humanidade: o diálogo.
Os quatro passos propostos por Rosenberg se multiplicam quando conseguimos impulsioná-los coletivamente. Mas tudo começa com a nossa intenção de dar espaço para que a conversa se torne edificante e verdadeira.
Passo 1 – Observação: aprecie os fatos sem julgamento e busque entender o que está acontecendo, compreender as motivações da outra pessoa.
Passo 2 – Sentimentos: valores, crenças, experiências e pontos de vista moldam os nossos sentimentos. A comunicação autêntica requer o olhar atento sobre o que estamos sentindo e sobre as necessidades reveladas quando nos comunicamos.
Passo 3 – Necessidades: segundo Marshall Rosenberg: “por trás de todo comportamento existe uma necessidade”. Para o outro entender a minha necessidade, eu preciso, antes de qualquer outra coisa, externá-la. A autenticidade do que somos espelha as nossas verdadeiras motivações.
Passo 4 – Pedidos: deixar claro o que realmente precisamos é a chave do sucesso dialógico. Assim será possível dar chance para outras pessoas serem sinceras e para que possam atender ou não a nossa necessidade.
O exercício da empatia, tão em voga na contemporaneidade, também é um hábito vital a ser cultivado. A possibilidade de escutar ativamente com o objetivo de acolher simplesmente, sem a pretensão de achar soluções nem de buscar comparações que podem desmerecer sem querer, a dor do outro, é uma porta que se abre para honrar o outro com todo o respeito, sem julgamentos. Perguntas são bem vindas. Respostas prontas, não.
Os atletas paralímpicos deram um show de inventividade ao revelar para eles mesmos o quanto vale a pena se preparar diariamente para o aprimoramento contínuo. O chegar ao pódio ou não é consequência desta disciplina, da preservação da auto estima, auto crítica e principalmente, da coragem declarada de assumir a imperfeição genuinamente humana.
Tendo como inspiração a dedicação dos atletas, convido para darmos início a uma jornada sem prazo de expiração. A partir de hoje, que tal praticarmos a empatia com os nossos familiares, amigos e principalmente com pessoas com opiniões divergentes? A comunicação autêntica tem o diálogo e a compreensão como asas que nos levam à liberdade de expressão com responsabilidade e senso de realidade. Precisamos exercitar a sabedoria que se alimenta do melhor que há em nós, do melhor que podemos ser a cada dia.
A poesia de Jacob Levy Moreno, criador do psicodrama e precursor das redes sociais com a fundamentação da sociometria nos anos 30, resume o nosso caminhar que começa no mínimo, com quatro passos.
Encontro de Dois
Olho no olho
Face a face
E quando estiveres perto
Eu arrancarei
Seus olhos
E os colocarei no lugar dos meus
E tu arrancarás os meus olhos
E os colocarás no lugar dos teus.
Então, eu te olharei com os teus olhos
E tu me olharás com os meus.
A gente merece a vida inteira!
Jacqueline Moreno é jornalista, tradutora, intérprete simultânea, educadora e pesquisadora na área de inteligência coletiva/ cooperação e colaboradora membro do Catálogo de Tradutores.
Revisão: Beth Santos e Susana Rocha.
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