Caro Lasar!
Entrevista feita com Daniel Rincon sobre o projeto de tradução de cartas trocadas com Lasar Segall no início do século XX
Projeto realizado em 2019-20
O Catálogo de Tradutores foi selecionado para realizar um dos projetos mais importantes do Museu Lasar Segall: a tradução de cartas trocadas com o pintor modernista no início do século XX. Para além do valor do projeto para a história da arte no Brasil e no mundo, elas revelam algumas das preocupações dos migrantes europeus no conturbado período entreguerras, um pouco da rotina do país naqueles tempos, e alguns detalhes da família e círculo de amigos e conhecidos de Lasar. Foi um projeto extremamente gratificante para os envolvidos diretamente, e um orgulho para nossa rede de tradutores!
Equipe do Projeto
Daniel Rincon: pesquisa e coordenação técnica do projeto pelo Museu Lasar Segall
Artemi Pugachov: tradução
Mônica Peres: revisão e coordenação de projeto no Catálogo de Tradutores
* Veja também o depoimento do tradutor Artemi Pugachov sobre o projeto bilíngue [português e russo] *
A seguir, entrevista com Daniel Rincon, coordenador do projeto pelo MLS
- Pode nos contar qual o teor principal das cartas?
No geral, são cartas familiares que trazem informações sobre eventos privados, como casamentos, nascimentos de filhos, migrações, notícias sobre o andamento dos negócios. Mas há também alguns documentos trocados com empresários, colecionadores e editores de periódicos, que trazem dados sobre o trabalho de Lasar Segall.
- Quais eram as principais expectativas em relação a essa valiosa coletânea?
As expectativas eram grandes, uma vez que o conjunto de cartas traduzido se referia ao período em que Lasar Segall viveu na Alemanha, estudando arte nas Academias de Berlim e depois Dresden. Essa época da vida de Segall ainda é a menos conhecida. Temos uma grande carência de dados sobre esse período, especialmente sobre as atividades profissionais de Lasar Segall, se estava produzindo e expondo, se vendia suas obras. Esses dados são importantes para a documentação do acervo do Museu Lasar Segall.
- Quais foram mais atendidas?
Soubemos muita coisa nova a respeito da situação familiar de Segall e acabamos também descobrindo um pouco mais sobre a colaboração entre Segall e uma publicação argentina, o jornal Neue Welt editado em Buenos Aires. Soubemos também que Segall cogitou brevemente mudar-se para os Estados Unidos em 1925, e chegou a contatar conhecidos que lá viviam para que eles o ajudassem a preparar sua integração na vida cultural de lá. Para nossa sorte (nós brasileiros), Segall abandonou essa ideia e acabou ficando em São Paulo mesmo.
- Alguma frustração (do que esperavam encontrar e não encontraram)?
Não considero ter havido frustração quanto ao teor dos documentos traduzidos. O trabalho com documentos históricos é uma aventura constante. Se por um lado o pesquisador não encontra os dados que procurava nos documentos, por outro acaba quase sempre se deparando com dados e informações com as quais não contava, descobre coisas que não imaginava. Acredito que isso tenha acontecido em relação aos documentos traduzidos neste projeto. Descobrimos, por exemplo, que Segall se correspondia com um colecionador de arte em Recife, que provavelmente adquiriu algumas de suas obras, fato totalmente novo para nós.
- Quais os principais conhecimentos e/ou percepções do período histórico (entreguerras) ali presentes? E qual a importância deles para o Museu e a historiografia (da arte ou geral)?
Sabíamos que Lasar Segall e sua família passaram dificuldades extremas durante a Primeira Guerra. As cartas traduzidas deram uma perspectiva mais clara sobre esse período: vimos que por algum tempo ficou interrompida a comunicação entre Segall e seu pai – que estava na cidade de Vilna, sitiada pelos alemães. Vimos a angústia gerada por essa situação. Soubemos que Segall e seus irmãos cogitaram ajudar o pai e mais alguns familiares a saírem de Vilna, algo que acabou não acontecendo naquela época. Somente nos anos 1920, o pai de Segall viria para São Paulo.
Em termos profissionais e estéticos, a Primeira Guerra foi um evento decisivo na trajetória de Segall. Confrontado com novas erupções antissemitas, assombrado pelas dificuldades e incertezas que cercavam o seu futuro e o futuro de seu povo, Segall passou a inserir em suas obras temáticas novas – a crítica à perseguição, a solidariedade com os excluídos e desterrados – e fez isso empregando novas maneiras de produzir imagens, abandonando os padrões tradicionais da pintura (dentro dos quais ele havia sido educado nas Academias por onde passou) e imprimindo um estilo ousado, com formas angulosas e cores contundentes. A Primeira Guerra talvez tenha catalisado um processo de transformação na trajetória de Segall, fazendo-o se alinhar definitivamente com as correntes de vanguarda.
- Foi descoberto algum fato relevante sobre a história da arte (geral) ou da arte brasileira? Qual?
As cartas traduzidas oferecem um panorama sobre a situação cultural do Brasil. Demonstram os efeitos da Guerra sobre a sociedade, a economia e, é claro, sobre a arte.
- O que as cartas revelam sobre a relação entre Lasar e o Brasil?
As cartas traduzidas reforçam a imagem de um artista que, diante da incompreensão das pessoas frente às propostas modernistas, se coloca no papel pedagógico de “formar um público” para a arte moderna no Brasil. Nos anos 1920, Segall realizou conferências, exposições e publicou textos nos jornais explicando os princípios da arte moderna e defendendo sua necessidade.
- Alguma expectativa de pesquisa para os textos ainda não traduzidos?
Esperamos concluir a tradução dos textos em russo do Arquivo Lasar Segall nos próximos anos.
- Qual encaminhamento as traduções têm no Museu hoje: exposição, arquivo…?
Estamos passando por uma substituição no sistema de inventário do Museu Lasar Segall, substituindo as ferramentas eletrônicas até aqui utilizadas pelo Sistema Tainacan. Nessa nova plataforma, criaremos um espaço para publicar as traduções dos documentos do Arquivo Lasar Segall, tornando mais amplo o acesso ao conteúdo dos documentos em russo, alemão, etc.