É fácil ser intérprete?

Quanto tempo é necessário para aprender um idioma? 

Autora: Jaqueline Queyroi

Desde muito pequena, tive que lidar com o aprendizado de vários idiomas simultaneamente. Oriunda de uma família em que os idiomas abundavam, devido à origem de meus pais, desde menina aprendi a assimilar pelo menos dois idiomas como forma de me comunicar dentro de casa. 

Minha mãe, de origem judia sefardita, nascida na Espanha, foi morar cedo na Turquia e chegou ao Brasil dominando turco, árabe, espanhol, francês, ladino e grego. Meu pai, brasileiro, filho de pai francês e mãe com descendência italiana, só sabia falar o português.

Minha mãe falava com meus dois irmãos (fruto de seu primeiro casamento) em francês e quando ela estava grávida já “conversava” comigo em francês. Para ela, era importante manter esse costume que iniciou com meus irmãos. Entretanto, dessa vez, havia um problema: meu pai, apesar de ser filho de francês, não entendia, nem falava uma só palavra de francês. O que fazer, então?

Fui estudar em um colégio francês (lycée français) no Rio de Janeiro e fui alfabetizada em francês. A situação em casa era bem cômica, para não dizer trágica: minha mãe conversava comigo em francês e eu traduzia para o meu pai. Conclusão: sem saber, eu já era intérprete aos 5, 6 anos de idade! Logo depois, ele resolveu se matricular em um curso de idiomas, naquela época o Yázigi, para poder entender o que minha mãe conversava comigo, sem filtro.

Com isso, os idiomas eram parte fundamental de minha educação e eu entendi desde muito cedo que o aprendizado de um idioma novo requer disciplina, dedicação e, por que não dizer, talento. 

Como tinha facilidade para aprender idiomas, já falava o francês e o português (línguas maternas), fui estudar o inglês e o espanhol (em cursos de idiomas e também no meu colégio) e percebi que a gente precisa praticar, praticar e praticar. Não basta estudar o idioma, você tem que usá-lo na prática, mesmo cometendo erros.

Quando você está estudando um idioma novo (o que normalmente é feito em um curso de idiomas) você aprende o básico – a gramática, expressões linguísticas, etc.), mas o idioma em si, você só vai aprender mesmo quando colocá-lo em prática. Digo isso por experiência própria: resolvi aprender o alemão na universidade, estava dominando o idioma, porém, infelizmente não tive a oportunidade de usá-lo no dia a dia e hoje em dia me esqueci de muita coisa e não ouso trabalhar com o alemão nas minhas atividades de intérprete.

Em 2017, resolvi vir morar em Israel e a primeira decisão que tomei foi aprender o hebraico. Eu pensava que aqui bastaria falar o inglês, já que todos falam e entendem o inglês, que não seria fundamental aprender o hebraico. Ledo engano…. quando você mora em um país estrangeiro, com seu idioma próprio, é imprescindível aprender o idioma local. E não só o idioma, pois a cultura também faz parte desse processo de aculturação e adaptação. 

Comecei a estudar o hebraico no Brasil, em um curso virtual de uma hora de duração, uma vez por semana. Mas isso não basta e a disciplina no ensino do idioma é fundamental. Estudava, além da hora semanal do curso, uma hora por dia, sozinha, ouvindo músicas, fazendo glossários (vício de intérprete), inventando exercícios. Cheguei aqui falando muito pouco e fui estudar hebraico no ulpan (curso intensivo gratuito de 5 horas diárias de hebraico, com duração de 5 meses fornecido pelo governo israelense para todo emigrante). Mas, onde aprendi mesmo, foi nas ruas, no dia a dia, convivendo com o povo. O mais importante foi eu ter decidido me afastar dos brasileiros que moram aqui e só conviver com israelenses. Percebi que os brasileiros que moram aqui tinham a tendência a viver em seu gueto, onde continuavam a falar só o português, a comer comida brasileira, a falar de política do Brasil, etc. Eu fui “extremista: decidi mergulhar na cultura judaica, me dedicar 100% ao idioma hebraico e hoje, 4 anos depois, me sinto uma verdadeira israelense.

Para mim, que sou intérprete e tradutora, o idioma sempre foi fundamental. E aqui em Israel, o mercado de tradução é diferente. A maioria das pessoas fala vários idiomas, já que grande parte da população é oriunda de vários países (Rússia, Ucrânia, França, Tunísia, América do Sul, Europa). O inglês é falado por praticamente todos (o inglês e o árabe, além do hebraico são matérias obrigatórias nos colégios). O português praticamente não existe, não há demanda de tradução para o português. Aqui a tradução é basicamente de/para o hebraico. Com a pandemia, comecei a trabalhar com interpretação simultânea remota em inglês, francês, espanhol, italiano, português e hebraico.

Para aperfeiçoar o meu hebraico, comecei a trabalhar na polícia, fazendo tradução sussurrada (whispering translation) e depois fui trabalhar como voluntária em uma ONG que ajuda as pessoas com mais de 50 anos de idade a conseguirem um emprego. E o hebraico, além de me ajudar na comunicação do dia a dia, me fez conhecer meu atual companheiro, um israelense, que conheci nessa ONG. Posso dizer que o hebraico deu frutos impensáveis….

 

Jaqueline Queyroi – Intérprete e tradutora

Jaqueline Queyroi – Intérprete de conferências e tradutora.

Formada na PUC- RJ em 1984 em interpretação e tradução, tem mais de 30 anos de experiência profissional como intérprete de conferências e tradutora, trabalhou com grandes agências internacionais (ONU, UNESCO, UNICEF, OACI, PNUD, OMC, WWF), instituições internacionais (Banco Mundial, Conselho Mundial de Energia), Federações internacionais (FIFA) Autoridades Governamentais (Brasileiras e Estrangeiras), Embaixadas, Câmaras de Comércio, Universidades, ONGs Brasileiras e Internacionais em várias áreas.

Também participou como intérprete de grandes eventos (Jogos Olímpicos, Jogos Pan-americanos) e organizou seminários, workshops e feiras internacionais.

Está capacitada para trabalhar com Interpretação Simultânea Remota – RSI em diversas plataformas (Zoom, Kudo, entre outras).

Domina (fala e escreve fluentemente) português, francês, inglês, espanhol, italiano, hebraico e ladino.