Quando interpretar traz mais esperança!
RSI pela inclusão
Autora: Anna Nyström
Revisora: Nani Peres
Independentemente de ser um evento presencial ou uma interpretação remota, a maioria dos intérpretes profissionais segue um ritual. Assim que o evento é confirmado, começa o trabalho de pesquisa. Os assuntos e as áreas são amplos, como os perfis dos intérpretes, que preferem um determinado contexto, dependendo dos seus valores e de sua formação escolar e cultural.
Inspiradores, fascinantes, monótonos, gratificantes, tensos ou leves, cada evento tem uma história e é mais um desafio para o nosso currículo. Em um mundo ideal, o material do evento – que pode ser um congresso, uma reunião fechada e confidencial, um show, um campeonato, uma olimpíada, uma feira de livros –, é fornecido com antecedência e os palestrantes são acessíveis e falam a uma velocidade confortável.
O que é handover?
Enquanto o evento presencial tem inúmeras vantagens, como o precioso apoio dos técnicos de som e de cabine, a convivência e o encontro com o colega que já virou amigo, e o handover (troca ou revezamento de intérpretes) que acontece sem grandes problemas, as remote simultaneous interpreting (RSIs; TSR em português: tradução simultânea remota) fizeram o profissional acumular várias funções. Entre elas, testar várias soluções para tentar chegar a um handover virtual tranquilo, pois nem todas as plataformas usadas pelos clientes têm a função do handover. Além de toda a extensa preparação para esmiuçar o tema do evento e oferecer uma interpretação impecável e fluente, agora a tensão e a adrenalina incluem verificar todos os detalhes técnicos. É preciso assegurar uma transmissão sem interrupções, e ainda rezar para a internet não cair ou não ocorrer nenhum pico de luz durante a transmissão! Ou seja, mesmo depois de todas as dicas aprendidas nos cursos, upgrades e equipamentos obtidos durante a pandemia, nada garante que a parte técnica correrá bem.
E agora, em tempos de pandemia e de RSI, esse mundo evoluiu e colocou mais desafios na vida dos intérpretes. Além do trabalho complexo de traduzir em tempo real, é necessário administrar as questões técnicas das plataformas usadas. Elas envolvem, entre outros imprevistos, lidar com eventuais problemas de conexão, quedas de luz, qualidade do som dos palestrantes, que nem sempre usam headset, e esclarecer o cliente sobre o nosso trabalho nessa nova realidade. Mas o ponto de partida é sempre o mesmo: o tema ou o foco do evento.
Modelo SCERTS: desafios enfrentados por pessoas com autismo
Como exemplo, cito o até então pouco conhecido modelo SCERTS (sigla para Social Communication, Emotional Regulation & Transactional Support), método baseado em pesquisa científica e que aborda os desafios enfrentados por pessoas com autismo e suas famílias. É um modelo que pode ser usado desde o risco para o autismo, o diagnóstico inicial, até os anos escolares e mesmo depois.
Já de posse de bastante material e muita informação na Internet sobre o assunto e o treinamento de mais uma RSI, aprendemos que o objetivo principal dessa ferramenta é a inclusão. Ela ajuda a identificar as características e etapas exclusivas de cada indivíduo com autismo, e auxilia familiares e profissionais da área da educação e da saúde a interpretar e a entender melhor as reações de cada um. Em alguns casos, uma característica positiva da interpretação remota é promover uma aproximação dos tradutores com o cliente e com os palestrantes, o que nem sempre era possível nos eventos e congressos presenciais. Poder falar diretamente com as instrutoras e criadoras do método foi fundamental para ouvir seus sotaques, dicção e se têm uma pronúncia clara ou se tendem a acelerar e exaurir os pobres intérpretes! Esta também é uma oportunidade de explicar a importância do headset e de algumas particularidades do nosso trabalho. Um ponto a favor dos eventos virtuais, além de um pré-treino. Ideal, mas nem sempre viável nas agendas de todos os envolvidos.
O entrosamento entre a dupla de intérpretes também é essencial para o sucesso do trabalho. Se não houver sintonia, o trabalho que já é tenso fica pesado. E no ambiente virtual, como não há a interação e o apoio ao vivo tão importantes, novos códigos são combinados. Chat, Whatsapp, Whereby e outras soluções auxiliam na comunicação e no imprescindível handover. Mas, nesse evento que focava no autismo, tudo fluiu e, apesar do ritmo intenso, foram mínimos os percalços; inclusive na temida e às vezes problemática etapa das Perguntas e Respostas.
Presenciais, híbridos ou remotos, esses eventos e todas as novas tecnologias associadas e que surgem diariamente só comprovam a enorme resiliência dos intérpretes diante de qualquer grande mudança, crise ou inovação.
Anna Nyström – Intérprete de conferências e tradutora nos idiomas português, inglês e sueco.
Carioca, filha e neta de suecos, formada em Jornalismo, com especialização em Tradução e Interpretação de Conferências em inglês-português, todos pela PUC-Rio. Na transição de Jornalismo para Tradução, fiz o curso do Daniel Brilhante com o próprio!!!