Tradução Simultânea da área Médica: há remédio para isso?!
O remédio para eventos médicos: muito estudo
Por Rosario Garcia
Ao falar sobre tradução escrita, é comum lembrar de profissionais que se tornaram especialistas em
determinadas áreas de conhecimento, como a financeira, literária ou jurídica. Com a interpretação oral, por outro lado, a ideia de um “intérprete especialista” torna-se um pouco mais dispersa, devido à diversidade de eventos e contextos de interpretação, e os diversos tópicos com que o intérprete pode lidar em questão de dias: pode-se atuar num evento da área de Tecnologia da Informação numa semana, simpósio de Física Nuclear na semana seguinte, e nesse meio tempo, acompanhar representante farmacêutico estrangeiro em visita a um hospital. Em qualquer um dos casos, podemos nos deparar com assuntos que não temos, de fato, qualquer conhecimento.
Este artigo pode ser aplicado a várias áreas de conhecimento, como a do Direito, ou Engenharia, porém optei por dar uma maior ênfase na área da Medicina, uma vez que esta que proporciona um número razoável de eventos internacionais no Brasil. E assim, surge o questionamento: por que essa área por vezes “amedronta” os intérpretes, de iniciantes aos mais experientes? Qual é o desafio em se interpretar eventos da área de Medicina? Veja a seguir alguns deles, relatados por colegas concabinos e também vivenciados por mim:
- A Medicina é uma área com uma terminologia complexa, e cada especialidade é um mundo em si, ou seja, contém nomenclatura específica que designa funções, doenças, procedimentos, aparatos e tratamentos.
- Há muitos cognatos verdadeiros, ou termos em que a tradução é “transparente”.
- Dificilmente recebemos, de antemão, as apresentações de slides para estudo. Não raro, o palestrante nem preparou slides.
- Às vezes é necessário, literalmente, correr até mesa de som ou ao chamado “media desk” minutos antes de o evento iniciar, para tentar copiar o material que será apresentado. Algumas apresentações não ajudam em nada, pois só trazem imagens.
- Praticamente todos os eventos da área de Medicina apresentam número maior de palestras em português do que em língua estrangeira. Os programas podem apresentar quatro, cinco palestras seguidas em português, e somente uma em língua estrangeira, abrindo ou fechando o bloco do período da manhã, da tarde, ou do dia. Ocorre que alguns palestrantes estrangeiros assistem às palestras dos colegas brasileiros, fazendo com que o intérprete trabalhe mais na versão do português para a língua estrangeira do que o inverso.
- As palestras são, em grande parte, relatos de casos clínicos, e seguem uma mesma sequência de exposição: descrição do caso/paciente, diagnóstico, tratamento/medicamentos utilizados, resultados; há ainda palestras que abordam o “estado da arte” de uma enfermidade, ou seja, a evolução dos métodos de identificação, diagnóstico e tratamento de alguma doença ao longo dos últimos, digamos, 20 anos.
- O tempo das palestras nos congressos é restrito: cada orador possui, em média, 30 minutos para fazer sua apresentação, que normalmente contém muitos slides.
- O orador não se dá conta, às vezes nem sabe, que sua palestra está sendo traduzida. Consequência: um discurso rápido como um trem bala, e os intérpretes fritando os miolos em cabine.
Mas o que fazer, então? Retomando o título do texto, não há um remédio infalível, mas há um paliativo poderoso chamado “pesquisa”. Para trabalhos de tradução escrita, há, obviamente, uma escolha prévia sobre quais materiais de consulta serão utilizados, mas boa parte da pesquisa é feita durante o trabalho. Na Interpretação, porém, essa pesquisa deve acontecer antes do evento, pois em cabine não há tempo para pesquisas aprofundadas.
Aula com a Rosário Garcia para os CATaloguistas
Veja a seguir alguns procedimentos de pesquisa que aprendi ao longo da minha carreira, alguns deles solo, outros com a ajuda preciosa de colegas mais experientes. Não representam uma solução mágica, mas ajudam na familiarização com os temas. Você verá que o fato de não ter recebido material dos palestrantes não será tão problemático.
Se já tiver informações sobre o evento como nome oficial, local e horário, procure obter o programa. Atualmente, praticamente todos os simpósios, congressos, encontros, festivais, não importa qual área, possuem site para divulgação e inscrição, com o cronograma de palestras, alguns deles contam até com app próprio. Uma outra ideia é também visitar o site da entidade organizadora do evento, por exemplo, Sociedade Brasileira de Oftalmologia.
- Tendo o programa, pesquise os temas das palestras. Certamente encontrará páginas, artigos e até vídeos com os palestrantes! Lembre-se que o mais importante é familiarizar-se com o assunto, pois isso facilitará a compreensão do vocabulário específico. No meu texto Como se preparar para um trabalho de Interpretação Simultânea, disponível no meu blog, dou dicas sobre como montar um glossário enxuto e eficiente para eventos de Medicina.
- Uma dica óbvia, mas o óbvio sempre precisa ser dito: pesquise sobre a anatomia relevante: a palestra será sobre cirurgias oftalmológicas? Tenha por perto um glossário sobre a anatomia ocular. Há até aplicativos em 3D para tablets e celulares.
- Pesquise sobre as enfermidades relacionadas à anatomia relevante: sintomas, exames para diagnóstico, tratamentos e medicamentos utilizados, especialmente os fármacos mais importantes, por exemplo cloranfenicol (colírio antibiótico).
- Caso consiga as apresentações, e elas apresentarem um volume considerável de texto escrito, crie um glossário com base nelas, ou faça anotações no próprio arquivo, tanto documentos em Word ou pdf proporcionam isso.
- Lembra-se das aulas de formação de palavras em língua portuguesa? Muitos termos da área médica, especialmente procedimentos diagnósticos e cirúrgicos, são formados por prefixos, radicais e sufixos em grego e latim. É bom revisitar essa lista.
- Fazendo parte de uma equipe de intérpretes, ou tendo apenas um concabino, uma prática valiosa é criar um glossário coletivo pelo Google Docs e colocar seus achados nele, incluindo a pronúncia de algumas palavras. É possível encontrar glossários completos online. Mesmo que ninguém contribua, você estará sendo pró ativo.
- Durante a palestra, mantenha o seu glossário aberto, pois você ainda vai alimentá-lo com termos que surgem durante a fala do palestrante. Use dicionários online de sua preferência.
- Se, durante a palestra, você ou o seu concabino tiverem dificuldade em acompanhar o palestrante devido à velocidade de seu discurso e, por conta disso, estiverem perdendo conteúdo, não se acanhe. Saia da cabine, fale com o mestre de cerimônias ou assistente de palco – sempre há alguém que vai apresentar os palestrantes – e delicadamente peça que falem um pouco mais devagar, assim vocês poderão fazer um trabalho ainda melhor em cabine. Afinal, é de interesse deles que suas pesquisas sejam compartilhadas.
Espero que essas dicas tenham contribuído para um melhor preparo antes de eventos da área médica. É a “resposta para todos os males”? Não. Mas certamente ajudarão a baixar a apreensão e a ansiedade em relação ao trabalho. Mais importante do que ler as apresentações do evento, é familiarizar-se com o assunto das palestras.
Quer saber um pouco mais? Assista este vídeo sobre Tradução Simultânea da área Médica, com as colegas Meg Batalha e Cristiana Ferreira, com ótimas dicas!
Rosario Garcia é Intérprete de Conferências, inglês<>português, membro do Catálogo Premium de Intérpretes e Tradutores e docente no curso de Bacharelado em Tradução e Interpretação da Universidade Católica de Santos-SP nas disciplinas voltadas à Interpretação de Conferências.