O Natal plural de uma terra chamada Brasil
O Natal plural de uma terra chamada Brasil
Damiana Rosa de Oliveira[1]
Minha avó montava todos os anos uma árvore de Natal muito excêntrica. Nela, pendurava tudo que em sua opinião fosse especial ou bonito. Para os desavisados, a árvore da vó Hermínia era só uns galhos sem graça recheados de cacarecos: mini liquidificadores de plástico, figuras de papai-noel de louça remendadas muitas vezes, florzinhas coloridas, balas, caixas de fósforo embaladas em papel de presente e tudo que tinha papel brilhante, além é claro de bastante algodão para reproduzir a neve, que em países tropicais não existe. Para os netos era pura festa. Para ela, símbolo de alegria. Cada um tem o seu jeitinho especial de festejar o Natal. E o Brasil, este país grande e divino, apesar de falar a mesma língua, tem o seu jeitinho especial e plural de comemorar esta data.
Nos quilombos do nordeste, comemora-se o Natal com uma encenação dramática, com muitos cantos e danças nas praças da cidade. O auto dos quilombos é um folguedo tradicional, em que se reconstitui os núcleos povoados de escravos fugitivos do século XVII. Também nos estados nordestinos comemora-se com a “Chegança”, festa natalina que reconstituiu a luta entre cristãos e mouros durante a Idade Média. O auto da chegança é feito à base de declamações e cantos acompanhados de muita música e dança: “Entramos nesta nau de guerra, todos nós com muita alegria. Pra festejar o Nascimento de Jesus que é filho de Maria”
O paraense tem dois natais: além da tradicional festa de dezembro, comemoram em outubro o Círio de Nazaré: prepararam uma grande ceia com a maniçoba, o tacacá, o pato no tucupi e trocam presentes. É comum desejar “Feliz Círio!”.
Em algumas cidades do nordeste, a felicidade do Natal se expressa em danças rurais e alegres: a marujada. Uma delas, só para homens, é apresentada por um forte sapateado. Na outra, valsada, os casais dançam arrastando os pés no chão.
Em várias regiões do país, os Reis Magos saem pelas ruas anunciando o Natal, parando nas casas enfeitadas com presépios. É através do canto e da dança que anunciam a chegada do menino Jesus e são recebidos com uma ceia ou um lanche pelas famílias que visitam. Assim, compartilhando bênçãos e comida que comemoram a data. A festa é conhecida como “Folia de Reis” e vai do dia 24 de dezembro até o dia 02 de fevereiro.
Há famílias que até hoje seguem uma tradição nascida em Portugal no século XIII, a “lapinha”: reúnem a família diante do presépio para cantar músicas natalinas na noite do dia 24 para lembrar o dia que os Reis Magos foram visitar o Menino Jesus. Enquanto isso em Curitiba, a festividade é anunciada com luz e clássicos natalinos interpretados por um lindo coral de crianças.
Cada um possui a sua forma pessoal de se expressar no Natal, seja dançando, revivendo histórias, cantando, acendendo luzes, visitando casas. Hoje entendo que a minha avó se expressava através de sua árvore, colocando nela tudo o que lhe dava alegria e que lhe representava o nascimento de Jesus: mini liquidificadores para mostrar como gostava de reunir a família na cozinha; a tradição das figuras de louça que estavam há gerações na família e que sempre se remendavam, representando a união e a força dos laços familiares inquebráveis. Florzinhas de plástico para enfeitar a árvore com as suas cores favoritas e assim colorir a vida; balas porque a vida precisa ter doçura. Caixas de fósforo repaginadas, ensinando que tudo pode ser transformando, só depende do nosso ponto de vista. Papel brilhante, representando seus sonhos mais bonitos. E a neve de algodão provando que nada é impossível.
Que neste Natal de 2018 você possa expressar a sua alegria pelo nascimento do Menino Jesus do seu jeitinho único e especial, seja reunindo a família, ou meditando boas vibrações; seja dançando e cantando ou observando as luzes de Natal. Mas que possa sentir nascendo no seu coração, neste dia tão especial, o que te faz verdadeiramente feliz.
Autora: Damiana Rosa de Oliveira – Tradutora e intérprete de português e espanhol
[1] Graduada em Letras pela Universidade Metodista de São Paulo, é pós-graduada em Tradução-Interpretação Espanhol-Português na Universidade Gama Filho. Possui conhecimentos em história da arte (cursos de extensão no MASP). Trabalhou na Cátedra UNESCO de Comunicação para o Desenv. Regional por 5 anos, onde desenvolveu atividades ligadas à pesquisa e extensão na área de Comunicação Latino-Americana. É tradutora de algumas obras (livros e artigos) ligadas à Cátedra UNESCO de Comunicação e pesquisa em comunicação, linguística, historiografia da tradução e cultura popular. Já efetuou trabalhos de revisão e tradução em espanhol e português, com vasta experiência na área (Ed. Paullus, Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, Editora da Universidade Metodista de São Paulo, etc.) É tradutora desde 2004 e autora do livro “A fantástica história (ainda não contada) da tradução no Brasil” escrito em parceria com Andreia Vazquez.