Graciliano Ramos, Mickey Mouse e super-heróis: grandes nomes da cultura mundial em domínio público
Você sabe o que o Mickey Mouse, o Superman e o Ursinho Pooh têm em comum?
Dica: a resposta não é que os três são desenhos animados.
Esses três personagens foram criados há décadas por seus respectivos estúdios, e seus direitos estão prestes a se tornar (ou já se tornaram) domínio público. Isso significa que, a partir de uma data específica, a utilização das imagens de tais personagens não se restringirá aos criadores, podendo ser exploradas em formatos alternativos com respaldo da legislação de direitos autorais.
Atualmente, os Estados Unidos garantem a proteção dos direitos por 95 anos a partir da data da primeira publicação de uma criação. Com isso, o Ursinho Pooh entrou em domínio público em 2022, e o Mickey Mouse e a Minnie entraram agora, em janeiro de 2024.
Com isso, tais personagens podem ser utilizados de formas alternativas, algumas surpreendentes, como já se observa. Com a liberação dos direitos, as personagens rapidamente se tornaram vilões de slasher – subgênero de filmes de terror – sendo retratados como assassinos em uma ambientação que, com certeza, não se parece com nada com que a Disney já produziu para os dois.
Outro grande personagem da cultura pop a entrar em domínio público em futuro próximo será o Superman, com previsão para 2034, caso não haja alterações na legislação vigente.
Restrições de uso em domínio público
A liberação dos direitos autorais dos personagens não significa que eles possam ser utilizados de forma ilimitada e da forma como se deseje: apenas a primeira versão das personagens venceu os 95 anos desde a publicação; as versões mais recentes ainda pertencem aos criadores.
No caso do Mickey Mouse, apenas a reprodução do personagem retratado na animação “Steamboat Willie” entrou para domínio público, enquanto o traçado das obras publicadas posteriormente ou com proteções da Disney não pode ser utilizado. Além disso, mesmo o uso desta animação pode enfrentar obstáculos a depender da abordagem utilizada na adaptação.
No Brasil, as obras de Graciliano Ramos entraram em domínio público em 2024
A Lei de Direitos Autorais no Brasil é um pouco diferente. Por aqui, o acesso à criação de um autor é protegido durante 70 anos após a sua morte, sendo preservados, neste período, os direitos patrimoniais para os herdeiros do autor.
Em janeiro de 2024, a obra de Graciliano Ramos chegou a esse cenário. Sendo um grande nome da literatura brasileira, diversas editoras já anunciaram lançamentos de suas próprias edições das obras do escritor, as quais, antes, eram publicadas de forma exclusiva pelo Grupo Editorial Record. Agora, as editoras Todavia, Companhia das Letras o Grupo Editorial Citadel já anunciaram suas versões de alguns livros de Graciliano.
Embora esta ação possa levar a um aumento no alcance das obras do autor, há forte crítica às editoras por parte dos leitores e da família de Graciliano: com os novos lançamentos, a receita obtida pela publicação ficará restrita à editora, sem qualquer tipo de repasse para os familiares do escritor, e dificilmente os preços de capa serão reduzidos para fazer jus a essa diferença.
A família de Graciliano Ramos já expressou preocupações referentes às edições que serão publicadas pelas outras editoras. O Grupo Editorial Record vem acompanhando a trajetória de Graciliano há décadas, tornando a família uma grande apoiadora do trabalho realizado pela empresa, mas outras editoras poderão realizar publicações sem cuidado com a edição, deixando de fazer jus à qualidade da obra.
Segundo dados do Estadão, Graciliano já vendeu mais de 4,5 milhões de exemplares de seus livros pela Record, sendo 1,3 milhões destes correspondentes ao livro “Vidas Secas”, best seller do autor e da editora.
Desde o falecimento do autor, parte do valor da receita era destinada aos filhos de Graciliano, e a receita obtida das vendas das edições do Grupo Editorial Record continuará com essa parcela reservada à família até o ano de 2029, quando o contrato vigente se encerrará. O neto de Graciliano, Ricardo Ramos Filho, declarou que ”Deveria haver uma lei que dissesse que o que era pago para os herdeiros deveria ir para um fundo em benefício da literatura.” Não seria ótimo?
O que isso muda?
O que até então era reservado aos profissionais associados a uma obra original – por exemplo, no caso do Mickey Mouse, à Disney; ou, no caso dos livros de Graciliano Ramos, ao Grupo Editorial Record – passa a receber a influência de novos métodos, novos profissionais e novas abordagens quando esta obra se torna de domínio público.
Com isso, a essência original de uma criação pode sofrer mudanças, e cabe à equipe de profissionais entender o contexto em que cada publicação foi apresentada ao mercado para assegurar maior cuidado e qualidade nas adaptações a serem realizadas.
É claro que isso pode ser mais delicado em alguns casos do que em outros, mas tanto os livros que retratam a cultura nordestina de Graciliano Ramos têm grande relevância cultural e histórica para o país, quanto as personagens da Disney, por exemplo, têm suas características essenciais. Veremos como se comportarão as novas recriações dessas personagens e se elas terão adesão de público. Afinal, muitas distorções podem refletir linhas divergentes ou mesmo opostas às intenções criativas originais; e elas podem, por isso mesmo, provocar reações indigestas em legiões de fãs e/ou da crítica especializada.
Por isso, é importante olhar para as diferentes formas de produção artística – literárias, audiovisuais e tantas outras – com uma visão além do mercado, considerando, também, os espaços culturais e situacionais que levaram tais obras a existirem e quais elementos de identificação elas mantêm com seu público. Assim, promover a difusão de uma nova abordagem de uma obra pode ser mais respeitoso e coerente – além de criativo.
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