Devem intérpretes iniciantes aceitar trabalhar por tarifas baixas? Entenda o quebra-cabeça!

Cobrar tarifas baixas é um erro comum entre intérpretes iniciantes. Em princípio, parece ser algo justo, em vista da pouca experiência que os iniciantes têm em situações reais de trabalho. No entanto, isso pode ser um equívoco. Vamos analisar os diversos porquês:

Às vezes, quando você está saindo de outra profissão e entrando no mundo da interpretação, certas diárias consideradas “baixas” com relação ao nosso padrão de referência, que é a tabela do SINTRA, podem parecer muito dinheiro a ser ganho em um dia só, o que, naturalmente, proporciona certo deslumbramento. Nessas horas, é possível que se tenha a impressão de que toda essa campanha que os intérpretes “veteranos” fazem em prol da manutenção do nível elevado das diárias seja mera “implicância” ou “soberba”. No entanto, há alguns fatores que devem ser levados em consideração:

1) A interpretação simultânea é um trabalho árduo e estressante, e requer habilidades especiais que são bem diferentes da tradução escrita. Ouvir e falar ao mesmo tempo é algo incomum; ademais, ouvir em uma língua e transmitir a mensagem ouvida em outra em tempo real é algo que nem todos conseguem realizar. É necessário ter profundo conhecimento tanto das línguas de trabalho como de cultura geral, além do domínio dessas línguas e de áreas diferentes de conhecimento. Achou pouco?

Então considere o seguinte: muitas horas/dias são gastos na preparação de um evento.  Investe-se tempo em pesquisas na internet, em muita leitura para entender o negócio da empresa ou do evento, na elaboração de glossário, na tradução e adequação ao jargão empregado, no estudo do glossário e treino oral – e estas são somente algumas das tarefas que intérpretes realizam antes de um evento. Para um trabalho de qualidade apurada são necessários cuidados com a voz e exercícios vocais. Então, você já sabe que nosso trabalho não é mole, e a cada evento estudamos sobre assuntos diferentes que, em geral, não têm nada a ver com o  trabalho feito anteriormente.

2) Cobrar tarifas baixas fere a ética e prejudica o mercado de interpretação como um todo e, consequentemente, prejudica você também. Aqui, o que ocorre é a desvalorização do trabalho do intérprete iniciante e do intérprete profissional, além do favorecimento da concorrência desleal. Com o tempo, o mercado como um todo fica contaminado, dificultando, assim, a prática de tarifas justas. Será que alguém ganha com isso?

No mais, pense no seu próprio futuro: alguns clientes, especialmente aqueles que estão habituados a pagar tarifas baixas, resistem a posteriores aumentos. Se você já percebeu isso, o que invariavelmente ocorre é que você terá que buscar novos clientes e daí cobrar a nova tarifa e desistir dos antigos quando tais não aceitarem reajustes.

Então, o que fazer se você é um iniciante e recebeu uma proposta de trabalho?

Primeiramente, não subestime o valor de seu trabalho. Você terá que se preparar muito bem.

Uma sugestão é pedir a orientação de um intérprete mais experiente ou convidar quem já atue no mercado, pois você se sentirá um pouco mais tranquilo. Se a pessoa em questão for um bom colega, poderá lhe socorrer em momentos de dificuldade na cabine. Há pessoas solidárias, dispostas a lhe ajudar.

Assim, porque aceitar tarifas que desvalorizam o que você faz e todo o empenho necessário para dar o seu melhor? Na hora em que te oferecerem aquela diária baixa para um evento de vários dias e você fizer as contas e sentir aquela “dor no coração” de estar abrindo mão daquela quantia total em nome dos seus princípios (que falam alto, mas não pagam suas contas) e da defesa de nosso mercado, lembre-se sempre que um “não” dado a uma proposta indigna hoje pode render um “sim” amanhã, e isso certamente ocorrerá diversas vezes. Este é o primeiro passo para ser bem conceituado dentre os bons colegas. No mais, há sempre o risco de, ao aceitar reservar a sua agenda para um evento que pague pouco, você acabe tendo que recusar um que pague melhor ou te interesse mais, pois será difícil arranjar um bom colega para te cobrir por aquele valor.

O mercado precisa de intérpretes, e é você quem decide o quanto O SEU TRABALHO VALE! Mas lembre-se, sua decisão afetará todo um conjunto de profissionais quer para o bem ou para o mal, dependendo do valor pessoal e monetário que você dá à sua profissão e ao trabalho envolvido em executá-lo.

Pense nisso!

E não esqueçam:  intérpretes são pontes humanas com nervos de aço!

O Intérprete!

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