As duas faces da moeda

Aprendi que, na vida, tudo tem seu yin e yang. Ou seja, os opostos. Será que podemos chamar de positivo e negativo, como na corrente elétrica?

Nem sempre. Mas vamos falar especificamente do nosso ofício de interpretação simultânea.

Aspectos positivos:

– certo glamour, por sermos detentores do mistério: “Como será que vocês conseguem?” Quem de nós já não recebeu esta pergunta?

– vamos ser sinceros: somos detentores de um conhecimento acima do comum: entendemos um pouco de tudo: medicina, física, contabilidade, até religião, política e o famigerado meio ambiente e ecologia. Será que entendemos? Muita pretensão!

– remuneração altamente compensatória, motivo de inveja de outras categorias profissionais que ralam igualmente, mas não conseguem esse reconhecimento financeiro. Embora, a meu ver, tudo se iguale, porque nossa categoria não tem garantia alguma: se não trabalhamos – não ganhamos, não temos férias, nem 13º, nem participação nos lucros, etc. Mas ao comparar, sem entender estes detalhes, todos se espantam e uma certa inveja ronda nossas cabeças.

Agora, sendo mais objetiva na minha proposta.

Nosso oficio é transmitir o pensamento dos outros, ipsis litteris. Para tal, estudamos, pesquisamos – (ainda bem que agora o bendito e abençoado Google existe – não estou fazendo propaganda), fazemos glossário. Alguns, mais altruístas, até compartilham glossários. Outros os guardam a 7 chaves.

Data marcada na agenda: horário, local, programação, nome e dados dos palestrantes, moderadores, rapporteurs. Pronto, lá estamos com nossos concabinos para compartilhar um dia de no mínimo 6 horas de labuta.

Aspectos negativos:

Evento de 3 dias. Com palestrantes europeus, asiáticos, latino americanos e brasileiros.

Os mestres de cerimônia com certeza usam cronômetro. Porque normalmente avisam aos palestrantes que ao invés dos 30 minutos previstos para sua apresentação, este tempo ficou reduzido a 15 minutos.

Comme il faut, os palestrantes não demonstram irritação em não poder transmitir o seu trabalho de pesquisa, sua proposta ou contribuição, que é resultado, muitas vezes, de anos de trabalho.

E, encerrados na cabine, estamos nós, os intérpretes, prontos para ação.

Muitas vezes, recebemos as apresentações em pen drive. Nada a temer.


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E começa a palestra. Só que, o que deveria ser transmitido naturalmente em 30 minutos, precisa ser condensado em 15. E o palestrante não pode perder seus 15 minutos de “fama” no bom sentido. Então engata 200 km por hora e dispara, só dando pausas de micro segundos para dar uma inspirada, reter o ar, e metralhar mais uns 5 minutos na mesma velocidade.

Conclusão:

Os nativos no idioma do palestrante, nada entendem, dada a velocidade.

Os intérpretes, que precisam acompanhar a fala, se emaranham totalmente, porque é humanamente impossível, falar ao mesmo tempo que o interpretado, na velocidade de 200 km por hora.

Resultado: Ninguém entendeu nada. O recado foi transmitido na fala, mas não no pensamento. Dada a velocidade do palestrante (que, lembrem-se, precisa transmitir seu recado) a pronúncia, a gramática e a produção do intérprete estão seriamente comprometidos.

Culpados:

Intérpretes? Não. O humanamente possível foi tentado.

Palestrantes? Não. Não foram avisados de que dos 30 minutos só poderiam dispor de 15.

Conclusão: Os organizadores dos congressos, seminários, workshops, seja qual for o tipo de evento, precisam ser conscientizados de que, literalmente, a pressa é inimiga da perfeição. Se a cronometragem não se insere na cronologia, aumentem 1 dia no seu evento, ou diminuam o tempo concedido a cada palestrante.

PS3isosQuando a interpretação simultânea se iniciou nos idos do Julgamento de Nuremberg, utilizavam luzes vermelhas, amarelas e verdes (igual a de trânsito) para avisar ao palestrante que estava ultrapassando ou não a velocidade permitida!

Poderíamos adaptar nossas cabines com este dispositivo. Ou seja, fazer um acordo com as empresas que passariam a ser usadas pelo Catálogo. Seriamos inovadores no setor e traria um valor agregado ao nosso grupo.

E não esqueçam:  intérpretes são pontes humanas com nervos de aço… mas não abuse!

O Intérprete!

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