A Interpretação Comunitária na inclusão e nos direitos sociais

A interpretação comunitária é uma ferramenta de acesso a justiça, saúde, educação e serviços públicos em geral (Imagem: Freepik)

Imagine precisar explicar uma dor intensa em um pronto-socorro e não conseguir se fazer entender, ou tentar relatar um episódio de violência em uma delegacia e ser mal interpretado. Essas situações, infelizmente, são realidade para muitas pessoas no Brasil sem proficiência na língua portuguesa, sejam imigrantes, refugiados, indígenas ou pessoas surdas. É aqui que entra a interpretação comunitária, um campo essencial, mas ainda pouco estruturado no país.

Mais do que simples tradução entre línguas, a interpretação comunitária é uma ferramenta de acesso a justiça, saúde, educação e serviços públicos em geral. Neste artigo, você vai entender o que define essa prática, por que ela é fundamental e quais são os desafios e caminhos possíveis para expandi-la no Brasil.

O que é interpretação comunitária?

A interpretação comunitária ocorre em situações cotidianas nas quais uma pessoa precisa ser compreendida por um prestador de serviço essencial, como um médico, policial, assistente social ou professor, mas não fala a mesma língua.

Os intérpretes atuam presencial ou remotamente em hospitais, fóruns, escolas, delegacias, centros de acolhimento e unidades de saúde mental. Eles mediam culturas, contextos e níveis de conhecimento. Trata-se de uma atuação de alta responsabilidade, pois decisões críticas, como diagnósticos, sentenças e concessões de auxílio dependem da clareza dessa comunicação.

No Brasil, essa prática remonta ao período colonial, quando eram comuns os intérpretes de povos indígenas. Hoje, porém, a necessidade é ainda maior, com o crescimento das populações migrantes, refugiadas e multilíngues, além de comunidades historicamente excluídas, como a surda e a indígena.

Por que a interpretação comunitária é cada vez mais necessária?

A interpretação comunitária possui relevância crescente no Brasil (Imagem: Freepik)

Há diversas razões que explicam a relevância crescente desse campo no Brasil. Em primeiro lugar, o país tem recebido um número expressivo de imigrantes e refugiados. Em 2024, o Brasil registrou um aumento significativo nas solicitações de refúgio, com mais de 68 mil novos pedidos, um crescimento de 16,3% em relação a 2023. Destes, o Comitê Nacional para os Refugiados (Conare) reconheceu 13.632. Ao longo da última década, mais de 156 mil pessoas de nacionalidades diversas, incluindo colombianos, venezuelanos, haitianos, sírios, congoleses e afegãos, foram reconhecidas pelo Conare.

São populações de comunidades linguísticas tão diferentes quanto espanhol, inglês, francês, creole, farsi e árabe, por exemplo.

Além disso, convivemos com uma impressionante diversidade interna: existem mais de 270 línguas indígenas vivas no território brasileiro, e a comunidade surda representa cerca de 2% da população. Apesar disso, os serviços públicos ainda não estão plenamente estruturados para oferecer atendimento bilíngue e acessível.

Em ambientes como delegacias e hospitais, é comum que o atendimento a pessoas que não falam português ocorra de forma improvisada, às vezes com ajuda de familiares, amigos ou mesmo outros pacientes. Porém isso pode comprometer seriamente a qualidade da informação ou o sigilo e, portanto, os direitos do cidadão.

Ainda que projetos de lei como o PL 5182/2020 proponham a obrigatoriedade da assistência linguística por meio de intérpretes comunitários, ainda há um longo caminho para que a prática seja reconhecida e regulada nacionalmente.

Onde e como esses intérpretes atuam?

A atuação do intérprete comunitário pode acontecer em diferentes contextos sociais, todos com alto potencial de impacto direto sobre a vida das pessoas.

  • Em hospitais, o intérprete pode ser responsável por explicar procedimentos médicos, esclarecer o uso de medicamentos ou mediar a comunicação entre equipe de saúde e paciente durante uma internação.
  • Na área jurídica, ele é essencial em audiências, interrogatórios, depoimentos e escutas de vítimas ou testemunhas que não compreendem bem o português.
  • Em serviços de assistência social, o intérprete pode ajudar a garantir que imigrantes entendam os critérios para recebimento de benefícios e consigam preencher os formulários corretamente.
  • Na educação, sua presença é fundamental para que famílias migrantes participem de reuniões escolares, compreendam boletins ou possam dialogar com professores e diretores.

Em todos esses casos, a ausência de um intérprete qualificado pode levar a graves prejuízos: diagnósticos errados, sentenças injustas, evasão escolar ou perda de benefícios sociais.

Barreiras à expansão da interpretação comunitária no Brasil

Apesar de sua relevância crescente, a interpretação comunitária ainda está longe de alcançar a escala necessária para atender à diversidade linguística e cultural do Brasil. Um dos principais entraves é a ausência de políticas públicas consolidadas, o que leva à invisibilidade da demanda.

Outro desafio importante é a dispersão das responsabilidades institucionais. Hoje, não há clareza sobre qual esfera de governo, municipal, estadual ou federal, deve garantir a presença de intérpretes comunitários. Como consequência, o atendimento a populações indígenas, migrantes, refugiadas ou surdas varia drasticamente entre regiões e setores, criando desigualdade de acesso a serviços básicos como saúde, justiça e educação.

Além disso, o baixo nível de informação sobre o tema dentro das instituições públicas, inclusive entre gestores e servidores, reforça o ciclo de negligência. Em muitos casos, a necessidade de mediação linguística só é percebida quando um impasse já comprometeu o atendimento, o que prejudica tanto o usuário quanto o funcionamento do serviço.

Devemos, portanto, ir além de reconhecer formalmente a necessidade de mediação linguística; precisamos que ela entre no cotidiano dos serviços essenciais por meio de políticas sólidas e contínuas.


A interpretação comunitária deve funcionar como pilar da democracia linguística e da equidade no acesso a direitos. Em um país tão diverso quanto o nosso, garantir que todos possam compreender e ser compreendidos em contextos decisivos, como o médico, o jurídico ou o social, é condição básica para a cidadania.

Expandir o alcance da interpretação comunitária depende de um compromisso institucional com a inclusão. Isso significa tratar a mediação linguística como parte integrante das políticas públicas, com planejamento, orçamento, coordenação entre esferas de governo e atenção à realidade multilíngue do país. Quando o idioma deixa de ser um obstáculo e se torna um ponto de conexão, a justiça, a saúde e a educação tornam-se verdadeiramente universais.

Conheça os serviços de interpretação do Catálogo de Tradutores clicando aqui.