Tradutor – Uma profissão em risco? (*)
Uma profissão em risco?
Embora o trabalho de um tradutor não seja necessariamente mais importante do que o de um lenhador ou de um empresário, é bom refletir um momento sobre o valor do nosso trabalho.
Principalmente agora quando o trabalho de um tradutor é ameaçado de muitos lados, até mesmo dentro do próprio mercado.
Uma profissão singular
Há muito a ser dito sobre a importância dos tradutores, suas habilidades e a pressão que tem sido
exercida sobre os salários e prazos, em grande parte em decorrência dos avanços tecnológicos cada vez maiores.
Há, no entanto, um lado do trabalho de tradução que muitas vezes é descuidado: ser um tradutor não é meramente fazer um trabalho, mas fazer parte de algo maior.
Ser tradutor é um estilo de vida
Mergulhar nas mais diversas culturas, lidar com diferentes fusos horários, trabalhar com clientes de qualquer parte do mundo. Qual outro profissional tem uma atividade tão diversificada, trabalhando dia e noite para satisfazer clientes com as mais diferentes características culturais, religiosas e étnicas?
Em que outra área podem-se encontrar pessoas dedicadas, muitas até mesmo viajando por todo o mundo, estabelecendo-se aqui e ali, impulsionadas por uma ânsia de saborear culturas, aprendendo sobre as particularidades das línguas, e ainda trabalhar duro para cumprir os prazos e exigências do cliente?
No entanto, a profissão de um tradutor parece de pouco valor para muitas pessoas.
Pieter Beens (*) relata: “frequentemente e em diferentes situações, eu encontro pessoas que me perguntam se eu posso terceirizar o meu trabalho de tradução para elas” e acrescenta que “sua motivação, muitas vezes, é ‘eu estou procurando algum trabalho para ganhar algum dinheiro extra’ ou ‘porque eu tenho algum tempo livre no momento’. Ou ainda ‘eu falo inglês e holandês, posso ser útil para você’”.
Aceitar esse tipo de “ajuda” é procurar confusão: traduções imperfeitas, prazos não cumpridos e queixas sobre serem mal pagos, etc.
A profissão tradutor pode parecer emocionante e glamourosa, mas quem olha de fora pode perder totalmente o interesse quando perceber o quanto ele é realmente desafiador.
A única forma de compensar essas exigências é adaptar-se ao estilo de vida inerente à profissão de tradutor, mas poucos vão se esforçar para isso.
A vida de um tradutor pode ser difícil, mas isso só não é um problema para aqueles que amam diferentes culturas, estão sempre ansiosos para aprender e podem resistir à pressão de fora.
Esses são guiados pelas recompensas, pela satisfação e pela alegria que sentem ao realizar seu trabalho.
Tempos turbulentos
No entanto, há uma pressão mais desafiadora para os tradutores do que a pressão vinda de fora.
É a pressão das empresas, das agências de tradução e de muitas pessoas do próprio ramo.
Segundo Pieter Beens (*), embora as novas tecnologias tais como máquinas de tradução, CAT’s (Computer Assistant Translator), estejam ainda em desenvolvimento e não sejam uma grande ameaça, as implicações dos avanços tecnológicos já são sentidas.
A pressão do preço está aumentando e as empresas estão procurando maneiras de manter suas margens a todo custo.
Isso faz parte do negócio e exige que os tradutores assumam uma abordagem mais comercial e orientada para o mercado, em vez de permanecer em uma atitude passiva de “esperar para ver o que acontece”.
Há, no entanto, uma prática que as agências de tradução deveriam eliminar: pregarem que qualquer pessoa pode ser um tradutor, ao mesmo tempo em que criam sistemas on-line que permitem que pessoas de várias origens possam competir com profissionais tradutores. Isso é minar o seu próprio (e o nosso!) negócio.
Nos últimos anos, algumas agências de tradução têm antecipado os tempos mais difíceis preconizados por alguns setores, criando portais onde seus clientes podem se beneficiar de traduções mais baratas, feitas por tradutores interessados em modismos.
Na Holanda, segundo Pieter Beens, uma agência de tradução superou-se ao não mais contratar tradutores profissionais e, em vez disso, promover um sistema online com taxas muito mais baixas, no qual as traduções são feitas por tradutores eventuais, normalmente em viagem pelo país, que aproveitavam para ganhar algum dinheiro extra.
A empresa chegou mesmo a veicular, em um site de viagens, o seguinte anúncio promocional: “Quer ganhar dinheiro enquanto viaja? Torne-se um tradutor!”
Essa não é, certamente, a única empresa a aumentar sua renda reduzindo o valor da tradução; isso lhes permite ganhar e manter clientes, trabalhando com pessoas que apenas desejam ganhar um dinheiro extra quando, na verdade, o trabalho deveria ser executado por tradutores realmente comprometidos com qualidade e seriedade.
Há um outro lado também: tradutores de profissão que se inscrevem nesses sistemas contribuem para a desvalorização da profissão de tradutor como um todo.
Ainda que as dificuldades e desafios dos dias atuais sejam grandes, se eles respeitassem a si próprios e a seus colegas, com certeza, seriam capazes de resistir a qualquer iniciativa que estivesse ameaçando a vida de milhares de tradutores, incluindo as suas próprias.
(*) Agradeço a Pieter Beens, tradutor inglês-holandês, que me autorizou a traduzir e adaptar seu artigo, originalmente publicado no Dia Internacional do Tradutor na plataforma The Open Mic.
Solange Esteves – Tradutora de francês
Translators – an endangered lifestyle
Today is International Translation Day. Although the job of a translator is not necessarily more important than that of a lumberjack or a manager, it is certainly a good thing to wait for a moment and consider the value of our work. Especially now the job of a translator is threatened from many sides – even from inside the industry.
A unique job
There is much to be said about the importance of translators and translators, their specialisms and the pressure that is put on wages and deadlines by the ever increasing technological advancements. There is, however, one part of the translation job that is often overlooked: being a translator is not merely a job, but is part of something bigger. Being a translator is a lifestyle. Think of standing with both feet in different cultures, facing different time zones, working with clients from almost every country. Who else has such a diverse job, working day and night and over the weekend to satisfy customers with so many cultural, religious and ethnic backgrounds? In which other industry will you find dedicated people travelling all over the globe, settling now here and then there, combining an eagerness to taste cultures, learn about them, and the nuances of particular languages, and still work hard to meet deadlines and client’s demands?
There are hardly other professionals working this way.
A lifestyle for compensation
Yet the job of a translator seems of little value to too many people. I often meet people on all kind of occasions, asking me whether I can outsource translation work to them. Their motivation is often – I am looking for some work to earn some extra income or because I have some spare time. Or even – I can speak English and Dutch, so I can be of value to you. Getting them on board is asking for trouble: erroneous translations, missed deadlines, complaints about being underpaid, etc. While a job as a translator might seem exciting and glamorous, many outsiders will lose interest once they have seen how challenging it actually is. Only adapting to translation as a lifestyle can compensate for that. (And that is something not everybody will put the effort into.)
The life of a translator can thus be hard, but that is not a problem for those that love different cultures, are eager to learn and can resist the pressure of outsiders. Instead they are more guided by the rewards, the satisfaction and the joy of their work.
Disruptive business
There is a pressure however that is more challenging to translators than the pressure of outsiders. It’s the pressure of companies and people inside the industry. Although disruptive technologies, such as machine translation technologies like NMT, are still in their early days and do not form a major threat, the implications of technological advancements are already felt. The price pressure is increasing and companies are looking for ways to maintain their margins at all costs. That is part of the business and it requires translators to take on a more commercial and business-oriented approach rather than a passive ‘wait and see’ attitude.
There is, however, one thing that translation agencies should stop, namely, undermining their (and our) business by preaching that everybody can be a translator and setting up online systems that enable people from various backgrounds to compete with professional translators.
In the past few years a couple of translation agencies have anticipated tougher times by creating portals where their normal clients can benefit from cheaper translations by translators interested in fads. In The Netherlands it was the translation agency Perfect that outplayed itself by not using a couple of professional translators and instead promoting their online system FairLingo, (which had much lower rates), as a way for travelers to earn some extra income. The company ran a promotional post at a travel website in which they claimed ‘Want to earn money while travelling? Become a translator!’ Perfect is certainly not the only company with such a safety net for earning income by reducing word rates to as low as € 0.04 per word: it enables them to win and maintain clients by offering wanna-be translators (and professional translators) competitive and low-waged jobs that would normally be done by translators.
There is another side as well: professional translators who sign up for such systems contribute to the ongoing downturn and devaluation of the translation profession. If they started to respect themselves and their colleagues, they would, for sure, be able to resist everybody who is threatening the lives of the other 640,000 translators.
Pieter Beens/vertaalt.nu
Translator – An endangered Lifestyle
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